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Estado terá de partilhar risco de fenómenos naturais

16.07.2021
Estado terá de partilhar risco de fenómenos naturais
A recorrência e a intensidade das catástrofes naturais colocam questões ao sector segurador, que tem procurado adaptar-se com novos produtos e o aumento de taxas. Em entrevista ao Jornal Económico, Nuno Rodrigues, diretor de Riscos Patrimoniais e Engenharias da MDS Portugal, defende que deveria haver uma obrigatoriedade de cobertura para fenómenos da natureza e considera que, mais cedo ou mais tarde, os Estados vão ter de intervir.


Os seguros ligados a fenómenos da natureza são facultativos em Portugal. Considera que faz sentido passar a ser obrigatório em algumas circunstâncias a coberta de risco patrimonial?
Continua-se a verificar que, aquando da ocorrência de um evento catastrófico, existe um fosso expressivo entre a totalidade dos danos materiais registados e aqueles que se encontram transferidos para o mercado segurador. Esse fosso tem, inclusive, tendência a aumentar em ciclos económicos de crise. Na minha opinião, o melhor mecanismo para minimizar tal fosso passa pela obrigatoriedade da contratação das coberturas associadas a fenómenos da natureza, o que permitiria ao sector segurador uma contribuição mais ativa, impactante e universal, para a melhoria da resiliência das sociedades face a este tipo de eventos.


Os mais recentes acontecimentos com elevadas temperaturas na América do Norte fazem lembrar que ainda há poucos anos tivemos sinistros semelhantes dentro da nossa dimensão. Como estão as resseguradoras a reagir ao aumento deste nível de sinistros? Há risco de aumento de taxas?
Já há alguns anos, com especial ênfase em 2020 e 2021, que os mercados de resseguro a nível global estão a passar por um período de endurecimento de taxas e prémios, vulgo "hard market". Este endurecimento foi motivado por múltiplos fatores, sendo um dos quais o aumento de frequência e severidade de eventos naturais catastróficos. O início de 2021 pautou-se por um custo de sinistralidade global associado a este tipo de fenómenos superior à média de anos anteriores, mas os últimos dados recentemente publicados, referentes ao segundo trimestre de 2021, demonstram uma aparente tendência de melhoria. Contudo, os rácios de rentabilidade dos mercados continuam sob pressão, pelo que se prevê que o comportamento de endurecimento de taxas se mantenha por mais algum tempo, apesar de apresentar sinais de abrandamento.


E há risco de redução de capacidade de cobertura pelo facto de a exposição dos resseguradores ter ultrapassado rácios comportáveis?
É já uma certeza, não obstante ser mais expressivo em determinados mercados do que em outros. Além do endurecimento de taxas, regista-se uma redução da capacidade disponível e uma necessidade de maiores níveis de retenção da parte dos segurados.


É possível, a prazo, que os clientes deste tipo de seguros em Portugal possam não ter as coberturas desejadas ou que sofrem aumentos significativos de prémios?
O mercado segurador português depende e é fortemente influenciado pelos principais grupos resseguradores internacionais, tal como a maioria dos mercados nacionais desenvolvidos. Os resseguradores que operam à escala global estão muito expostos a eventos catastróficos, pelo que têm a necessidade de promover esforços em matéria de endurecimento de taxas e redução de capacidades em todos os mercados, onde se inclui naturalmente o português. Todavia, estão a surgir soluções inovadoras de seguros que se apresentam como alternativas válidas e interessantes para a transferência do risco catastrófico e, simultaneamente, que atenuam o endurecimento de taxas que as seguradoras tradicionais, incumbentes, possam eventualmente praticar a este nível. Entre essas soluções estão os seguros paramétricos, os quais não seguram o dano material como é prática usual dos seguros tradicionais de patrimoniais, mas sim os próprios eventos naturais, respondendo quando são atingidos determinados parâmetros ou índices pré-definidos.
A MDS, enquanto broker especializado e líder de mercado, está no seu dia-a-dia a auxiliar clientes no desenho de soluções paramétricas, beneficiando do conhecimento das suas equipas, do facto de ter uma presença global e ser broker do Lloyd's.


Faz sentido que o Estado passe a comparticipar este tipo de riscos? Sem o Estado, a cobertura deste risco LL passa a insustentável para os seguradores privados?
A atual pandemia veio demonstrar que, para determinados riscos, dado o elevado potencial que têm de afetar uma parte substancial da sociedade em simultâneo, torna-se necessária a criação de mecanismos de transferência baseados em parcerias público-privadas. Os eventos catastróficos, além do seu elevado impacto, serão cada vez mais frequentes em consequência das alterações climáticas, pelo que é apenas uma questão de tempo até que os seguradores privados se vejam impossibilitados de assumir maiores níveis de transferência de risco, sendo então indispensável também a assunção de parte do risco pelos Estados.


O que explica a não aprovação ainda pelo Governo do projeto da Associação Portuguesa de Seguradores (APS) para a criação de um fundo para riscos sísmicos?
Estamos cientes dos esforços que o mercado e a APS têm vindo a desenvolver a este nível. No entanto, o Estado português, provavelmente em virtude da crise económica que tem afetado o território nacional, ainda não se mostrou disponível para contribuir com fundos próprios para a constituição de um fundo sísmico, semelhante ao já existente em outros países, como, por exemplo, em Espanha ou França, que conta com a participação dos respetivos estados soberanos.


Existem estudos para Portugal sobre um possível impacto na economia de um sinistro a envolver catástrofes naturais?
Sim, existem inúmeros estudos dedicados à estimativa do impacto económico de um evento catastrófico em território nacional, tendo sido efetuado um trabalho meritório por parte de inúmeras entidades e instituições nesta matéria. Contudo, e apesar de Portugal ser um país bastante exposto a este tipo de eventos, verificam-se ainda baixos níveis gerais de perceção de risco, pelo que se adivinha um longo caminho a percorrer no sentido de nos tornarmos uma sociedade mais resiliente e preparada para lidar e ultrapassar futuras catástrofes naturais - que, infelizmente, irão acontecer. Não é uma questão de se, mas sim de quando.



Nuno Rodrigues, Diretor de Riscos Patrimoniais e Engenharias da MDS Portugal
Publicado no Suplemento Mais Seguro, do Jornal Económico