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Por Nuno Rodrigues, Diretor de Riscos Patrimoniais e Engenharias da MDS Portugal
Emergência climática e os desafios no setor segurador
25.09.2024
Sabemos que a ocorrência de alterações climáticas é um fato inegável nos dias de hoje e com o qual a humanidade terá de lidar assertivamente sob pena de equacionar o seu futuro a médio/longo prazo. Começa a estimar-se que as necessidades de capital para mitigar o impacto económico destas alterações poderão atingir proporções inimagináveis.
O setor segurador, pela sua índole financeira, e assente nos princípios de mutualidade e financeiro, sempre se apresentou como um dos motores de desenvolvimento e de avanço da sociedade moderna. O que seria do mundo atual se os riscos associados à mudança, à evolução, não fossem assumidos por uma indústria criada para o efeito e altamente especializada?
Contudo, a indústria seguradora encontra-se perante uma encruzilhada. Por um lado, é clara a necessidade de apoio da sua parte no que diz respeito ao combate às alterações climáticas, quer pela via do financiamento do risco referente às perdas financeiras consequentes do impacto material dos eventos climáticos em si; quer pelo risco associado ao desenvolvimento de novas tecnologias que permitirão a descarbonização da sociedade, existindo ainda necessidades a apoiar/acompanhar ao nível de investigação e desenvolvimento neste âmbito.
Tal exigirá o desenvolvimento e implementação massificada de novas soluções de seguros, suportadas por novas tecnologias e avanços em matérias tais como a modelização e a computação.
Têm-se verificado grandes avanços neste sentido, sendo o melhor exemplo, a atual ascensão dos seguros paramétricos - uma tipologia de apólices de seguro que funciona com base em índices pré-determinados e garante a probabilidade de ocorrência de um evento climatérico - por oposição aos seguros ditos tradicionais - que garantem apenas o dano resultante do evento em si.
Mas tal não é suficiente; existindo uma procura crescente por novas coberturas e mecanismos de transferência de risco na esfera dos já referidos seguros tradicionais, com ênfase nos seguros de Patrimoniais e Responsabilidades, para que se adaptem aos riscos que as novas tecnologias, em desenvolvimento, vão trazer em campos como o hidrogénio, baterias, energias renováveis ou mesmo fissão nuclear.
Por outro lado, a indústria seguradora já está a sofrer avultadas perdas com o aumento de frequência e severidade dos eventos climáticos, quer os de índole catastrófica, tais como furacões (prevê-se que esta época de furacões seja uma das mais gravosas de sempre), mas também os de perfil secundário, tais como tempestades, cujas frequência e intensidade estão a registar um crescimento exponencial, como temos visto suceder em Portugal, fruto das alterações do clima.
Estas perdas estão a pressionar as demonstrações de resultados dos principais grupos seguradores e resseguradores mundiais, originando uma redução de capacidade de subscrição, maiores níveis de prémio, e inclusive comportamentos de hipersegmentação e seleção de riscos, o que contraria o fundamento base da indústria seguradora - o princípio da mutualidade. Um exemplo é o que se verifica atualmente em alguns estados do continente norte-americano, muito expostos, onde é já impossível obter suporte para coberturas como Inundações ou Incêndios florestais.
Tal traz à superfície duas necessidades imperativas para que a indústria seguradora possa desempenhar o seu papel de alavancagem no combate às alterações climáticas. Em primeiro lugar, uma partilha de risco com a sociedade em si, i.e., é imperativa a modificação de comportamentos de risco que são adotados com frequência ao construir, por exemplo, em zonas expostas a inundações, tais como leitos de cheias.
As recentes inundações em Rio Grande, no Brasil, são um infeliz exemplo desta realidade. É preciso adotar práticas de gestão de risco, a par com a sensibilização de todos os stakeholders envolvidos. Sem a adoção de tais práticas, as consequências de muitos eventos rapidamente deixarão de ser imprevisíveis, podendo-se atingir o limiar do que é segurável.
Em segundo lugar, o nível de perdas atingirá valores superiores à capacidade financeira do setor privado, o que origina a necessidade de criação de parcerias público-privadas com os governos dos territórios mais expostos.
Muito embora a indústria seguradora tenha já sobrevivido a duas guerras mundiais e a inúmeras crises financeiras, não subsistem dúvidas "nos corredores” de que a mesma está perante o maior desafio de toda a sua existência. Mas também existe a certeza de que este setor será uma das maiores armas ao dispor da sociedade no tão necessário combate ao impacto dos riscos climáticos e à definição de um futuro seguro para as próximas gerações.
Por Nuno Rodrigues, Diretor de Riscos Patrimoniais e Engenharias da MDS Portugal
Publicado no Vida Económica